O que dizer de um sistema econômico que
aumentou a riqueza e diminuiu o emprego? As dores da globalização
atingem também os países mais ricos
Se estivesse vivo e assistisse à atual
Copa do Mundo da Alemanha, o general Emílio Garrastazu Médici poderia
repetir a célebre frase que disse nos anos 1970. Naquela época, o
Brasil sagrou-se tricampeão mundial de futebol e viveu um período de
bonança conhecido como “milagre econômico”. O ditador brasileiro
resumiu como poucos a disparidade entre os números positivos e a vida
da população: “A economia vai bem e o povo vai mal.” Hoje, o mesmo
acontece não só na Alemanha, onde a taxa de desemprego é de 11%, mas em
vários países europeus e americanos, inclusive Estados Unidos e Brasil.
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Tristeza em Paris: na capital da França, senhora desempregada pede esmola na rua |
A globalização gerou riqueza e
prosperidade nos últimos anos, mas também eliminou empregos e aumentou a
distância entre ricos e pobres. Somente em Berlim, o desemprego aflige
17,4% da população, o que cria um contraste difícil de esconder mesmo
durante a festa da Copa. Na capital alemã, a pobreza de uma grande
parte dos moradores é visível para os milhões de turistas que foram
para lá acompanhar o mundial. É um fenômeno que marca a União Européia,
onde a taxa média de desocupados chega a 8%. Esses índices são altos
na Itália (7,7%), na França (9,3%), na Bélgica (12%) e na Espanha
(8,3%). Do outro lado do Atlântico, os Estados Unidos, país que mais se
beneficiou da globalização, sofre com um desemprego historicamente
elevado: 4,6%.
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Cadê meu trabalho?: Larry (no alto, à esq.) descobriu que seu emprego foi dado ao indiano Kalamesh. Em São Paulo, trabalhadores buscam vagas no centro (acima)
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O aumento da desigualdade social na
economia mais poderosa da Terra foi retratado na semana passada pela
bíblia liberal do capitalismo, a revista inglesa The Economist.
“Se as coisas continuarem assim por muito tempo, nós iremos acabar
como o Brasil, um país notório por sua concentração de renda e
riqueza”, afirmou uma fonte da publicação nos Estados Unidos. Por aqui,
enquanto torce pelo hexacampeonato mundial, o povo também sofre pela
busca de trabalho. Segundo a pesquisa Dieese/Seade, na região
metropolitana de São Paulo a taxa de desemprego estava em 16,9% em abril
– o dobro dos 8,5% registrados em abril de 1987. Mas afinal, onde é
que foram parar os empregos do mundo? Provavelmente, na China ou na
Índia, grandes beneficiários do processo atual de globalização.
A história do americano Larry Berwind, 31
anos, é um bom exemplo do que está acontecendo no mundo. Em 2001, esse
nova-iorquino formado na prestigiada Universidade de Stanford perdeu
seu emprego de autor de programas de computador numa empresa da
Califórnia. Ele ganhava US$ 4.500 mensais, além de planos de saúde e de
aposentadoria. Revoltado, Larry resolveu localizar o paradeiro de seu
cargo e embarcou numa peregrinação pelas tortuosas vias da
globalização. Descobriu, primeiro, que sua função havia sido exportada
para a Índia, onde a companhia contratou um programador de Mumbai
(ex-Bombaim) chamado Kalamesh Pandya, 38 anos. Pai de quatro filhos,
Kalamesh recebia US$ 250 por mês para fazer o mesmo trabalho, sem
nenhum benefício social.
Seis meses atrás, Larry foi visitar o
indiano pessoalmente. A surpresa: o próprio Kalamesh já havia sido
mandado embora. Sua função fora repassada para uma jovem mulher
chinesa, de Xangai, por uma fração do valor – como profetizou Karl
Marx, a história acontece duas vezes: a primeira como tragédia, a
segunda como farsa. Hoje, Larry ganha a vida como consultor free lancer de informática e está escrevendo um livro, chamado provisoriamente de Onde no mundo está meu emprego?.
Com o adiantamento que recebeu da editora, ele financia as viagens em
busca dos novos donos de seu antigo cargo. “A globalização serve apenas
a um consórcio de homens de negócio, a elite do capital financeiro,
que não tem pátria”, reclamou a ISTOÉ.
Na pauta do Congresso dos Estados Unidos, não há, atualmente, um único item que procure proteger uma das marcas registradas do chamado “american way of life”: o emprego. Entre os anos 2000 e 2003 foram perdidos três milhões de vagas no setor manufatureiro do país. De lá para cá, não houve recuperação digna de nota. O número de trabalhadores nesta área mantém-se em 14,3 milhões – menor patamar desde 1950. O déficit da balança comercial de manufaturados foi a US$ 105 bilhões ao final de 2005. “A relação entre o déficit comercial de produtos manufaturados e a perda de empregos no setor é óbvia: as importações diminuem a demanda de trabalho”, explica o economista Josh Bivens, do respeitado Economic Policy Institute. O quadro se torna mais preocupante para os trabalhadores americanos quando se intensificam as exportações de empregos na área de serviços – muitas empresas contratam companhias na Índia, onde o inglês é o segundo idioma mais falado, para atender chamadas de consumidores americanos em seus call centers.
Na pauta do Congresso dos Estados Unidos, não há, atualmente, um único item que procure proteger uma das marcas registradas do chamado “american way of life”: o emprego. Entre os anos 2000 e 2003 foram perdidos três milhões de vagas no setor manufatureiro do país. De lá para cá, não houve recuperação digna de nota. O número de trabalhadores nesta área mantém-se em 14,3 milhões – menor patamar desde 1950. O déficit da balança comercial de manufaturados foi a US$ 105 bilhões ao final de 2005. “A relação entre o déficit comercial de produtos manufaturados e a perda de empregos no setor é óbvia: as importações diminuem a demanda de trabalho”, explica o economista Josh Bivens, do respeitado Economic Policy Institute. O quadro se torna mais preocupante para os trabalhadores americanos quando se intensificam as exportações de empregos na área de serviços – muitas empresas contratam companhias na Índia, onde o inglês é o segundo idioma mais falado, para atender chamadas de consumidores americanos em seus call centers.
O mundo já viveu vários momentos de
globalização ao longo da história. Nos anos 50, depois da Segunda
Guerra Mundial, o Japão e a Itália eram vistos como grandes ameaças ao
emprego nos demais países que começaram a importar seus produtos.
Porém, naquela época o crescimento das economias compensava com folga
os impactos negativos. “O problema atual é que o crescimento nos países
industrializados está muito baixo”, diz Rubens Ricupero, ex-ministro
da Fazenda e ex-secretário-geral da UNCTAD, órgão das Nações Unidas
para o comércio e o desenvolvimento. “Fica mais difícil absorver as
dores da globalização.” Para Ricupero, esse fenômeno pode se agravar,
pois a oferta de mão-de-obra da China é inesgotável. “A tensão
comercial entre os países tende a aumentar”, prevê.
Milton Gamez e Osmar Freitas Jr.Nova York
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